Eu odeio



  Eu prometi te deixar há alguns meses, mas eu mais uma vez optei pelo seu sorriso e pelo quentinho do seu edredom azul. Continuo com o olhar de quem nada sabe e com a risada presa pela fadiga. E eu queria saber. Queria muito saber o que nós somos, mas tenho medo da resposta. Medo daquela palavra de 4 letras que é o antônimo de tudo. Continuo te arrastando por aí como se fosse algo leve para mim, que sou tão fraquinha e que estou me matando aos poucos. Continuo colocando aquela venda preta sobre meus olhos, que já pedem voz à boca só para gritar “socorro!!!”,  com todas essas exclamações no final. Porque, coitados. Tão cegos. Tão inertes. Finjo não ver todas essas mensagens que chegam no seu celular enquanto conto do meu dia e do trabalho. Os seus olhos nos shorts de outra mulher. E até a sua boca em uma que não é a minha.

 Lembra de quando disse que você era meu fantasma? Descobri que, na verdade, sou eu que tenho poderes sobrenaturais. Sou invisível. Tenho sido. Como quando tentei te contar do problema no trabalho. Quando perguntei quando nos encontraríamos de novo. Como no dia que segurei o choro ao contar do sonho em que perdia um bebê que, na realidade, nem estou esperando. Mas, você sabe, eu sempre quis ser mãe. E você falou “isso é assim mesmo. Quando você acorda, acaba”.  Então sabe o que eu realmente queria? Acordar de você. Despertar desse pesadelo que é te esperar no portão com uma caixa de pizza e uma garrafa de Coca-cola para ter que passar o resto da noite em silêncio, porque é dia de jogo e, você sabe, cara, jogo é jogo. Estou guardando todos os meus silêncios para o dia em que, enfim, gritarei independência.

 Você me tortura sem precisar dizer ou fazer nada. Porque, meu bem, o nada é que dói. Acordar e nada. Nem um bilhetinho para dizer que sim, foi bom estar com você e seu chefe vai aprovar seu projeto. Dormir e nada. Aliás, eu prefiro dormir na minha casa, sozinha na minha cama, a dormir na sua, olhando para as suas costas que são tão acolhedoras quanto a expressão que você faz para mim. Mas às vezes, no meio da madrugada, você me acordava só para confessar algo que mais ninguém sabia. E foi a essas partes de nós que me apeguei para chegar até aqui menos calejada. Como na noite que me contou sobre o seu medo de barulho no telhado. Eu tenho esse mesmo pânico. Mas é do silêncio. Que. Você. Faz. Porque eu tenho mais medo é de falar de você e do que me causa. De todo esse movimento que acontece aqui dentro quando você me olha nos olhos.


 Eu odeio. Você e tudo isso que trouxe para minha vida. E todo aquele carinho que me dispõe quando há alguns copos de vodca dentro de você, onde deveria haver alguma consideração. Odeio o fato de você ter me levado para jantar. E ter feito todas aquelas pessoas olharem para nós com admiração. Como se fôssemos algo mais que duas pessoas que fogem de si e do amor. Como se fôssemos o que o outro realmente quer. Odeio que não tenha o mesmo cuidado com o que sinto, como o que teve nas poucas vezes que te deixei tirar meu sutiã, tão leve e delicadamente, que nem percebi, só senti o arrepio de saber que seus dedos deslizavam pela minha pele. Odeio esse cheiro de cigarro. E não odeio só o cheiro. Odeio esse cigarro no canto da carteira que, eu sei, você vai acender assim que perceber que eu não estou mais nessa, que não tem mais livros espalhados no seu criado mudo. Sentado no meio fio. Vai fumar o cigarro inteiro, entrar em casa e deitar. E amanhã vai trabalhar, ver o jogo, deitar para dormir e virar para a parede. Assim como quando eu estava aí. Porque eu era um mero detalhe. 

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