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Meu relógio de parede está sem pilha, apoiado na báscula da cozinha há mais de um ano. Permaneço insone, prolixa, prosaica e agitada em horários peculiares. No meu colo, a cor do beijo do sol a contrapor-se aos cabelos iluminados. Dia desses, num impulso qualquer, cheguei a ensaiar tingi-los de volta ao castanho. Pinto as unhas de vermelho em looping. Marco máscaras, guardanapos, taças e golas alheias de batom bordô. E tenho a estranha mania de sobrepor a mão às velas até a prata dos anéis esquentar. Reconheço a embriaguez quando as pontas dos meus dedos dos pés começam a formigar. Minha mãe, pela primeira vez em quase vinte e três anos, me chamou de espevitada – adjetivo que nem mesmo na infância chegou perto de mim. Creio, convicta, que tenho sido inquieta, irreverente e descontraída como nunca antes. Talvez, me caia bem a qualidade “feliz”. Tenho sido menos introspectiva e mais falante – ainda que, ao final do dia – ritualisticamente, todos os dias – precise ficar em absoluto e prolongado silêncio; e a risada alta, que contrasta com o tom de voz quase engolido, tornou-se minha marca. Mando áudios longos para meus amigos rindo e, então, eles me riem de volta. Por sinal, meus amigos e minha família me salvaram de ser engolida pela nuvem pesada e pelo ar denso que me rondavam e, no lugar disso, me puseram envolta em beijos, longas chamadas de vídeo, alto mar, tapete de casa e Santa Teresa. Li de forma voraz para sobreviver. Escrevi setenta e cinco páginas, intercalando cafés quentes e banhos frios para permanecer acordada, enquanto minhas cachorras me afagavam.

Passei tardes inteiras com os pés na areia, as costas suadas e o frescor de alguma bebida, como há muitos anos não mais fazia. Minha boca se avermelha, as maçãs do rosto se rosam e, apesar de caiçara, reconheço sempre o cheiro de maresia. Gosto de cair o corpo, ainda quente, no sofá e torcer para despertar antes do sol ter ido embora. E gosto do contato da pele quente com o lençol gelado de ar-condicionado. Talvez eu seja tão tátil quanto olfativa. Faço diariamente, logo pela manhã, relatos detalhados dos meus sonhos à Victoria e sinto doer cada músculo da barriga de tanto rir. É como se toda a fantasia e a criatividade em mim acordassem enquanto descanso; como se meu inconsciente fosse um enorme emaranhado de ex-colegas de trabalho, florestas e festas, em roteiros apocalípticos ou epiléticos. Desejo e medo ecoando enquanto durmo. Aliás, nas últimas quatro sessões de terapia, fiz minha analista gargalhar por razões distintas e desejei profundamente que a vida fosse mesmo uma piada. E tenho entendido tanto de desejar que cogitei ligar para minha tatuadora para marcar de escrever frisson no fim da espinha. Recordei, então, a superstição de manter as tatuagens em número ímpar e pensei que seria bom que frisson estivesse acompanhado de frenesi.

Acordei em Arraial; no meu quarto branco em Copacabana; no alto de um hotel em Ipanema, de frente para o mar; no Catete; no tapete; e, em Botafogo, sequer dormi. Como verde todos os dias e brigadeiro com vinho aos domingos. Bebo uísque com três pedras de gelo e gosto de sentir o amargo descer o meu corpo, até chegar aos pés. Invento histórias para o homem bonito do prédio da frente. A casa nova tem suporte para rede e uma varanda que será coberta de plantas, com uma mesa de madeira na qual caberá uma família inteira. Simbolicamente, a vela que comprei no Caribe, antes de mudar para cá, chegou ao fim enquanto escrevo. E estou há uma semana conseguindo dormir do lado direito da cama. Minha mãe ainda perde o sono quando não estou bem, mesmo quando não digo nada, por pura sintonia. A notícia da gravidez de uma pessoa querida foi a melhor coisa do meu mês. Tenho cogitado voltar atrás e ter filhos. Três amigas perderam seus pais ontem. Eu oscilo entre o ululado encontro com a felicidade e um terror calcificado; entre um universo particular alcançado a duras penas – com poesia, música ambiente e até remédios – e uma realidade aterrorizante, com cobertura jornalística em tempo integral. E, perdida em olhos de jabuticaba, encontrei um novo e confortável lugar para a idealização e para querer, dia após dia, com lealdade ao meu desejo. E às crises de riso. Ao cheiro amadeirado do perfume na nuca e aos traços da boca decorados até mesmo com a tintura do vinho. Minhas roupas estão todas largas e descobri só agora que laranja me cai melhor que vermelho. A miopia chegou em quatro graus. Fiz as pazes com café da manhã. E escrevo, porque jamais pensei estar noutro lugar que não nas palavras.


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