Ninguém






































                                        Leia ouvindo "Nobody", da Selena Gomez. 

 Eu me sinto um pouco sufocada por todas estas perguntas e pelo medo do que está por vir. Mas, ontem a noite, você esteve aqui e instantaneamente as coisas se acalmaram. Você sempre me mostra o caminho e segura minhas mãos para que siga segura por ele. E, em meio a toda a minha insegurança e aos meus muitos complexos, você acaricia meus cabelos e diz: "você é quem sonha e não o que dizem". Queria que todas as pessoas pudessem sentar a sua frente e te ouvir falar. Porque ninguém jamais me amará como me ama.

 Quando já é tarde e todos foram dormir, eu deixo os sentimentos escaparem e, involuntariamente, me sinto sozinha e perdida. Mas você lê os meus pensamentos e ouve minhas perguntas a mim mesma, feitas em voz alta e cheias de dúvida, e me pede para esperar pelo melhor. Eu gosto de ser ninada por você e logo caio no sono, com a leveza de uma criança e a segurança de quem é amada e protegida. Ninguém me entende como você.

 E quando escapo dos assuntos boêmios de algum barzinho e vou ao banheiro, olhar no espelho e tentar enxergar quem realmente sou, você vai até lá para me lembrar do que conversamos antes de dormir. Você me lembra de que o meu lado bom sempre vence o confuso. Volto para fora com a certeza de que um dia vou despir as camadas que me cobrem e sufocam, para ser somente a garota que você conhece. Afinal, ninguém me conhece tanto quanto você.

 Às vezes, me pergunto por que, onde e quando. "Por que ainda não?", eu digo antes mesmo de abrir os olhos. A culpa me consome. E você me abraça, em silêncio, atestando que a paz deve ser o remédio para a espera. Eu viro os relógios para a parede e aboli os calendários desta casa, só para não ser corroída pela expectativa. Mas parece que você apressa os ponteiros e me distrai com o resto da vida. Ninguém consegue driblar tanto o tempo.

 E, hoje mesmo, eu pedi ajuda para ir embora, te implorei para fugir. Você me negou o pedido. Disse-me que a pessoa que luto todos os dias para ser, sai pela porta da frente com saudações de despedida e um "volte sempre" e que será assim comigo em breve. Eu aguardo esse "em breve" com todo o meu coração, com muita convicção de que, sim, eu vou e iremos juntos. Porque ninguém está tão presente em mim quanto você. Eu me nego a acreditar que exista alguém como você, porque, realmente, não há.

Imagem: We Heart It

Um comentário

Sozinha


Leia ouvindo esta música!

 Olhei para a cama gigante, nunca esteve tão convidativa. Duas taças de um vinho português e o quarto parecia absurdamente quente. E vinho sempre causa duas coisas: coragem e sono. Eu tirei a calça e me atirei. Estava, enfim, sozinha. Sozinha com essa cidade cheia de luzes e cheiro de maresia. Deitei e vi no teto um retroprojetor da minha mente confusa. Não adiei nada: revirei cada acontecimento, cada “tchau”, todos os “nãos”, as bocas, os meses e as indecisões. Eu estava em um lugar em que as pessoas sequer sabiam meu nome, porém, apenas de uma coisa não podia fugir: de mim mesma. Era a hora de me despir. Água gelada e cabelos molhados – e, também, sentimentos expostos. Todos refletidos no espelho. Os quilos a mais não negam que troquei a aparência pelos meus sonhos.

 Voltei para o quarto e sussurrei: “enfim a sós” e dei uma piscadela para a minha própria imagem no guarda-roupa. Conheci uma nova série e fiquei dividida entre o mocinho e o vilão. Fui ao cinema e usei três cadeiras para deitar. Gargalhei alto e troquei sorrisos com um funcionário na saída. Comi todas as porcarias que amo e perdi dois quilos caminhando todos os dias na orla durante o por do sol. E pensei em entrar no mar a noite.

 Confrontei-me sobre os próximos meses, mas me distraí comprando livros novos. E esbarrei três dias com um cara que, no final, acabou deixando seu perfume no meu vestido. Ri, sozinha, do quanto minha vida parece um filme adolescente. Desejei ficar pela primeira vez e até fiz uns planos de conhecer os bares na rua da faculdade. Ou ficar assistindo filme e dividir a pizza com uma nova pessoa. E ela me pediu para ficar mais um pouco ou, quem sabe, voltar de vez.

 Não respondi nada. Não posso falar sobre pessoas e futuro agora que, finalmente, tenho conseguido ser alguém real. Mas também não desejo ser como as que me fizeram demorar a me tornar isso. Sozinha, eu tenho ido longe, porque ninguém me pede para esperar um pouco. Não tenho precisado carregar nada nas costas e tenho andado rápido graças a isso. Sozinha, com todos os tempos verbais e existenciais, descobri que é um grande presente vivê-lo.

 Volto para casa em breve, minha mala é bem pequena para os meus padrões e, o que não cabe nela e no peito, eu abandonarei aqui. E, por incrível que pareça: não há quase nada sendo deixado para trás, porque a bagagem jamais esteve preenchida por tantas coisas boas e concretas. 


Nenhum comentário

Cidades grandes e nós dois


 Estou em mais uma cidade grande, tirando férias da minha pacata vida de garota do interior – e sei que faria uma observação: sou uma garota do interior apenas por morar nele, porque na prática sou uma garota-mundo. Você me deixa constrangida com essas expressões enigmáticas meio elogiosas. Eu costumo ser mais objetiva e falo logo da sua barba e da sua, aparentemente, inesgotável paciência. Mas, voltando a metrópoles e prédios: sempre que os vejo, lembro daquelas coisas que me diz a cada fevereiro sobre morar em um deles somente até ter dinheiro para comprar uma casa e ter uns dois ou três filhos e a menina, ah, a menina vai se chamar Sophia, e você tem pavor de um dia ela chegar em casa dizendo que arrumou um namoradinho. Ouço isso desde os quinze anos, quando ainda tinha coragem de usar um lacinho de pérolas no cabelo; e agora já estou aqui: crescida e ligando aos prantos para uma amiga, para dizer que é difícil passar tanto tempo sozinha longe. E, toda vez que é você quem está do outro lado da linha, me diz “calma, meu bem. Tudo vai se acertar”. Odeio que acredite tanto assim no destino. Principalmente no nosso.

 Não que eu descarte definitivamente ser dona de uma dessas janelinhas acesas lá no alto junto a você. Só não quero parecer menos dona dessa decisão por nos deixar tão nas mãos do futuro. Você nunca foi o meu “com certeza”, mas seria uma bela cereja do bolo em que botei a mão na massa para fazer. E cá estou: sentada em frente ao forno, esperando-o ficar pronto, enquanto você ainda acha cedo demais para saber se pode ou não estar em Paraty no próximo carnaval.

 Por todas estas coisas e algumas outras, invejo seu trabalho. Você investe o seu tempo em cuidar de pilhas de papel e deixa as pessoas sob a responsabilidade do destino. Temo por você. Temo pensar que vai amar alguém e irá pedi-la que aguarde um pouco mais até poder comprar uma casa com jardim (e eu sei que irá comprar); e que, depois, dedique-se completamente ao mestrado e, ainda mais a frente, peça-a para esperar você juntar dinheiro para a viagem de aniversário de casamento e que, um dia, chegue em casa e a veja pela última vez, porque esperar cansa e o tempo não brinca de estátua. Eu também não. E é por isso que gosto de cidades grandes: elas nunca me permitem ficar entediada. Elas não admitem inércia sentimental: sempre há algo a ser sentido, seja bom ou ruim. E você não me faz sentir nada novo desde o dia em que te conheci. 

Imagem: We Heart It

Nenhum comentário

120 dias pensando em você


 Veja que boba sou, estou aqui escrevendo sobre e para você. Agora fora do meu moleskine vermelho. Meio na lua, que hoje está em eclipse, meio aí na sua casa (em pensamento). Sei que, caso estivesse aqui, riria com tamanho desconcerto e com o corar das minhas bochechas, como em todas as vezes que penso em você. Quando cruzou aquela porta, te achei estranhamente bonito, mas também pensei que sua camisa e sua bermuda não combinavam muito. Eu quis saber seu nome, mas não tanto quanto o de um outro garoto que chegou antes. Você falava de um jeito engraçado e, ao mesmo tempo, irritante, então eu preferi te achar apenas irritante. Mas de vez em quando meu escudo falhava, e eu soltava uma risada discreta por uma de suas piadas (droga!). Implicava mentalmente com tudo o que dizia e até com o que eu achava que você estava pensando. Você parecia não achar nada de mim. Até eu me meter em confusão e passar a ser uma semi-heroína fruto da sua ingênua imaginação.

 Eu parei de falar de você e passei a falar sobre você. E a te achar inteligente. E engraçado. Você não é bobo como imaginava, confesso. Na verdade, é bastante engraçado. Adoro o quanto é justo. Quando vê algo errado, fica sério e ainda mais bonito. Pode até ser que seja só um adolescente impulsivo, mas até seus impulsos revelam o coração bom que tem. Às vezes, eu paro e fico te admirando. De soslaio. Não dou o braço a torcer.

 Se pudesse, voltaria àquela festa e te responderia diferente. E dançaria com você. Talvez até te roubaria um beijo, mas todas aquelas pessoas nos olhariam e eu prefiro quando estamos só nós dois. Voltaria aos cinco minutos em que falava sobre meu medo do futuro despretensiosamente e você parecia não duvidar nem um pouco de que tudo daria certo. Também gosto desse seu lado.

 Azul turquesa é minha cor favorita desde que saí da fase Barbie e “patricinhas influentes da escola”.  Azul turquesa é a cor dos seus olhos assustadoramente hipnotizantes (às vezes eu desvio o olhar de agonia do quanto eles são bonitos, você percebe?). E, ainda mais, você é fã de Lulu Santos e cantarola Skank por aí. Odeio ter descoberto essas coisas. Elas me fazem pensar em você e no quanto ficaria lindo usando preto. Aliás, você não tem nenhuma camisa preta, não é? Pensando no fato de eu não estar aqui antes, ainda bem que não tem.

 Mesmo que seja só uma grande brincadeira ou gozação da vida, algo me diz que, caso não seja agora, vamos nos esbarrar por aí, tomar uma taça de vinho e lembrar que não sou atraente comendo McDonald’s e que você dormia escorado em qualquer lugar. Mas espero te reencontrar amanhã e não daqui a três anos. Desde que notei quem realmente é, não quero esperar mais que um dia até te ver novamente. 

Nenhum comentário

Considerações finais



Leia ao som dessa música! (Dessa vez, vocês só saberão abrindo, hahahaha)

Já nos despedimos tantas vezes que esta, provavelmente, parecerá mais uma. Não posso lhe afirmar que esta sim será "para valer", porque todas as outras também foram, como bem sabemos. Em todas as vezes não queria olhar para trás e apenas ir em paz. Mas algum mistério do universo-você-cosmo-química-astrologia me trazia de volta. Uma coisa que, ao chegar, parecia ser um grande alívio e, ao longo do tempo, se tornava um grande nó no pescoço novamente. Uma coisa que me proporcionava a incrível e extasiante experiência da reconciliação e a maldição do fracasso e da decepção. É por isso que estou sempre indo: você jamais está ficando. Quando muito, você está.

Toda vez que me despeço, tenho a intenção de que seja a última. Seu cheiro de Malbec com Marlboro já está entranhado nas minhas roupas, no meu cabelo e até na minha pele. Eu tenho o seu cheiro e não posso agarrá-lo. Uma parte de você está sempre em mim, apesar de que, quando o imagino, quero concreto. Eu sei da falta que faço. Eu sei que já beijou outras garotas e, ao fechar os olhos, me imaginou. Sei que sou, todos os dias, o pivô da briga entre você e sua covardia. Acho que o conheço tanto, a ponto de saber o que tenta esconder de si mesmo. Quem disse que viver isso nos faria mal? É você quem faz se tornar uma dinamite toda vez que torna nosso amor um jogo de vai e vem.


 Eu gostaria muito de ficar. Gostaria ainda mais de ir. Gostaria de poder fazer algo definitivo. Por favor. Pare de fazer nosso amor de refém. Você é um homem agindo como um garoto que se perde da mãe numa multidão. E eu sou uma menina tentando assumir o papel de Mulher Maravilha. Andamos sempre na contra-mão. Um do outro. Porque se ao menos andássemos juntos nela, chegaríamos a algum lugar.


 Queria poder te abraçar, olhar nos olhos e acariciar seu rosto para mostrar que não levo nada de ruim, talvez nem haja o que levar, no geral. Eu não te amo mais, mas eu ainda gosto de quando é sua melhor versão comigo. Sei que, mesmo distante, há uma parte de mim com você e não quero cobrá-la. Eu vou sim. Já quebrei tantas vezes, que esse pedaço não me fará falta. Mas, talvez, para você, ele faça. Ele tapa esse buraco que ficou da vida e das pessoas antes de mim. É seu, pode ficar. Seguirei bem sem ele e, melhor, sabendo que não te deixo ao léu.


 Guarde-me como algo bonito e faça ser assim com quem chegar daqui para frente. Não estou indo para te machucar ou por vingança. Estou indo para me salvar. Sei que já há alguém esperando por mim lá, que esse alguém, diferente de você, vai me pedir e me fazer ficar. E eu vou ficar. Já estava escrito. Mas, pense bem: você não estava. Eu mesma fiz isso. Você foi uma história escrita com a minha caligrafia e sem roteiro específico. Acho que só sou boa com introdução e desenvolvimento.


Imagem: We Heart It

Nenhum comentário

Aqui































 Marquei, bem aqui, às sete. Esperei-lhe ansiosa e usando o meu melhor perfume. Os ponteiros andaram diversas vezes e meu pé doeu; sentei. Contei estrelas, contei histórias, contei minutos. E, mentalmente, justifiquei o atraso, tentando me auto-enganar. Você não veio. Perguntei ao moço do carrinho de pipoca no dia seguinte; você não veio. O contratempo foi descobrir que você não queria vir.

 Hoje estamos, à luz do luar, no mesmo lugar, com todas essas bandeiras sobre nossas cabeças e esses paralelepípedos sob nossos pés. Você não está aqui porque sabia que eu também estaria, porque nem eu sabia. Você está aqui porque quis vir. Porque quis encontrar algo que permitiu que caísse caminho afora. Eu estou aqui, porque gosto desse lugar. Os cacos das nossas memórias não me são úteis, mas o que ficou de bom, como já disse, ficou. Até as dores são boas lembranças por terem me tornado quem sou.

À noite, fechei os olhos e senti que algo bom estava por vir. Faz tempo, mas logo fui boicotada pela vida, que me fez tropeçar em nós e cair. Andei por aí, desbravei corações, mares, noites, bocas, músicas que não eram a nossa. Tornei-me mais segura, continuei sendo a menina que senta no meio fio para ouvir histórias dos rapazes que conheço, mas conheci a mim, tomei um bom vinho, tirei o excesso de cabelo, de traumas, de apego e mágoas. Ainda sou a moça que delira quando vê prédios muito altos, mas agora também sou quem vai morar em um deles.

 Você está aqui. Nada é o mesmo. Você não está intacto, nem quem somos e o que fizemos de nós. Quase tudo mudou ou esteve em outro lugar, mas a igreja é a mesma. O moço da pipoca também. E a essência do que sentimos ao fechar os olhos todas as noites. Dessa vez, você não quer tudo. Você quer me amar. Assim: simples como deve ser. Sem o passado assombrando, mas com todas as provas mais que evidentes de que é para ser e será.


 A lua, iluminando o seu rosto, intercessora da concretização de nós, é testemunha ocular de que somos e estamos e sempre deveríamos ter sido. O mar, de amar, azulou-se. Beijar-lhe é tripudiar tudo que um dia nos negou acontecer. Para ser feliz, é necessário uma coisa só: deitar-me ao seu lado. Aqui. 

Nenhum comentário

Ela



  
  Escrevo atrasado demais, porque nem sequer sabia que podia escrever, mas você sempre faz com que as pessoas descubram suas capacidades ocultas. Escrevo, pois na aurora dominical lembrei de você. Sei que te deixei vazar pelas minhas mãos e nada há que possa ser feito para revertê-lo, mas queria te dizer que no meu silêncio couberam tantas coisas quanto no seu. Estava tão despreparado para te encontrar quanto você e a diferença está exatamente no seu dom mais que teatral de improvisação, que faz com que sempre se saia bem e tenha tato para lidar com o mundo. E por falar em tato, sinto falta das suas mãos quase infantis de tão pequenas, que cabiam nas minhas, dobradas, e eu até me sentia protetor por alguns segundos.

 Você é um caos ambulante; um caos bonito de se ver. Um caos que fazia eu me debruçar na mesa de restaurantes aleatórios para admirá-la (o que obviamente não justifica minha apatia). Você é essa coisa toda. Ora me deixava apavorado por ser tão mulher e perspicaz, ora me deixava desnorteado por ser tão menina e precisar de tanto cuidado, que não me julgava capaz de dar. Você é uma garota cheia de alma e cheia de vida. De vez em quando me assustava com tanta naturalidade ao parafrasear Maquiavel, pragmática como ninguém, enquanto eu tomava minha cerveja no bar de esquina, em frente à praia. E me fazia parar para ver o mar antes de te levar para casa e falava da vida como quem fala de preparar arroz: as coisas soam tão naturais e simples quando saem da sua boca, e isso realmente me amedronta. Você é simples. Elogiava as meninas, as roupas, a maquiagem, a elegância, se isentando de ser uma e não as diminuindo de forma alguma, porque para você, as coisas têm de ser como são, inclusive a beleza alheia. Essa é umas coisas que te fazem ainda mais bonita: você não precisa se sentir melhor que ninguém, mesmo quando realmente é.

  Você faz as pessoas se sentirem exatamente o que são e quando elas não sabem quem são, você abre o caminho, pega na mão, anda lado a lado e as conduz escuridão adentro sem medo de se perder também. É por isso que hoje sei que não preciso envenenar tudo o que sinto, porque não há mal nos sentimentos a não ser que deixemos. Você dia ou outro reclamava de não saber fazer nada, de não conseguir concluir nada que inicia e nisso concordamos: você é desorganizada e inconstante, mas onde já se viu, você escreve e faz todas as palavras fluírem linda e harmoniosamente, numa sinfonia perfeita, de sentimentalismo e realidade. Você canta afinado, tímida e distraída e sempre para quando percebe que estou ouvindo. Você faz as crianças te quererem como tia e os idosos, como neta. Você sabe quase toda a linha do tempo da Guerra Fria, mas quando o assunto se tornava História, você preferia ouvir, porque sua personalidade não te permite parecer arrogante.


Talvez eu pareça um poeta trovador, um daqueles que colocavam a mulher amada como deusa máxima. Sei que você tem defeitos, mas há bastante tempo venho procurando-os para justificar minha distância, e é difícil enumerar muitos, a parte boa se sobressai. Sinto falta de acordar acariciando o travesseiro e procurando os fios ruivos que você sempre deixava nele antes de ir. Juntava-os e colocava na lixeira do banheiro. Se pudesse voltar no tempo, guardaria num vasilhame de vidro, para de alguma maneira acreditar que algo de você ficou. Levaria você ao aniversário da minha avó e tenho certeza que suas bochechas corariam quando, gritando (ela está ensurdecendo), diria que você é uma graça e eu assentiria com a cabeça. Se pudesse voltar no tempo, compraria algumas revistas teen e com recortes de textos de auto-ajuda montaria o meu próprio para dizer que gosto de muitas coisas em você e até de você. Jogaria sinuca e não te deixaria acreditar que “não é bonita ou inteligente, porque ninguém é e ninguém nunca vai ser” (como naquele filme com o cara de High School Musical), porque você é. E muito. Seu batom vermelho fazia todos os olhares e expectativas concentrarem-se em você, e esse era um passo para as pessoas repararem nas suas curvas. Mas logo depois, tudo isso tornava-se pequeno. Porque quando você abre a boca, de forma mística e ao mesmo tempo real e simples, prende as pessoas. Voltaria no tempo e caçaria as palavras, circulando-as com caneta esferográfica, nos seus cabelos, no seu corpo, nas pintas quase invisíveis do rosto para saber qual devo usar para dizer que eu realmente te amei de um jeito que não era para ter sido, mas foi. E não me arrependo. 

Nenhum comentário

Algum lugar que apenas nós conhecemos



Leia ao som de Somewhere only we know.


 Gosto de escrever quando sai e me deixa aqui, sozinha, com um monte de você pela casa. Aliás, no início, achava bem estranho você sair para a faculdade ou trabalhar e querer que eu ficasse. Até me dizer que a graça está em voltar e me encontrar. E como temos nos encontrado... Como naquele dia. Eu nunca acreditei em como as pessoas se conhecem nos filmes. Aí você derrubou vinho (quem bebe vinho em boates?)  no meu vestido vermelho, no fundo da balada. Eu gritei. Você me achou louca. Só queria ir embora, mas eu tinha uma amiga dançando e um cara desastrado que esperava o primo beijar alguém. Descobri que você odeia Exatas tanto quanto eu.

 E depois, eu estava sendo sequestrada por madrugadas aleatórias para andar de carro pela cidade e saber como ela é quando não tem ninguém olhando. Por sinal, ela é muito mais bonita e atraente, assim como nossa história, porque não há olhos curiosos sobre nós. Veio o vestibular e todo o meu desespero. Foi aí que conheci sua casa e descobri que Camboja fica do lado do Vietnã. Aprendi mais de Geografia nessa tarde que nos 14 anos de escola. Discutimos política; se deve ou não haver redução da maioridade penal; se doce de leite é melhor que chocolate. E, de repente, eu estava lá de novo. Estudando enquanto você tocava piano. Não existe nada mais elegante que tocar piano. Principalmente quando se trata de você e do jeito que prende o lábio com o dente quando está concentrado. Você queria algo que rimasse com “hipotético” e eu sugeri “poético” e agora fazemos músicas nas tardes de folga.

  Às vezes, te acho homem demais para mim, uma garotinha que não sabe nada da vida. Você foi a coisa mais-não-planejada que já me aconteceu. E toda a insegurança vai embora quando me pede para ser sempre tão menina. Para continuar sendo eu. Você sempre diz que sou uma menina cheia de alma, vida e história. Mal sabe que, na verdade, nunca pude colocar para fora tanta alma quanto agora. Não tenho mais medo de fazer isso.

 Um dia desses, saímos para pedir pizza e umas garotas da faculdade foram te cumprimentar. Observava, de longe, sorrateira. Assim que virou de costas, elas comentaram sobre sua roupa e como você é bonito. Bobinhas... É raro uma garota não te olhar, mas é maravilhoso saber que é a minha foto que está na sua carteira (e vergonhoso lembrar da minha careta nela). É maravilhoso ser quem sabe que a pizza é de frango com catupiry sem orégano e, melhor ainda, ser quem a divide com você.

Gosto de como falamos, do quanto falamos e de falarmos tanto da vida. De tudo. Desde as guerras mais importantes na América do Sul, até tentar adivinhar que bebida está na caneca do Jô Soares.  Você foi tomar banho e pediu que eu ficasse te esperando do lado de fora, no quarto, só para não deixarmos o assunto pela metade. Acordei, no dia seguinte, na sua cama. Com uma camisa preta gigante do lado e um bilhete de “é o melhor que tenho”. Desci, envergonhada, e encontrei travesseiros no sofá e uma mesa de café da manhã. Você me olhou, olhou de novo e soltou um “uau! Como você fica sexy com a minha roupa”, ironizando o fato de eu odiar ser chamada de sexy. Eu dormi na sua cama sem nunca termos nos beijado. E você não quis tirar a minha roupa para isso.

 Algumas semanas depois, era o meu domingo na escolha do filme. Errei de novo. Uma comédia péssima e ríamos só para não prolongar o silêncio. E você me beijou. E, novamente, mais algumas vezes. Mas, depois disso, você continua me deixando falar, e falar, e falar, até não querer mais. Porque te importa mais que eu esteja aliviada e em paz, do que me calar. Você é vinho depois de vodka. Tira o amargo. Quase ninguém sabe sobre nós e é isso que me faz, pela primeira vez, não precisar de garantia alguma: temos um lugar só nosso no mundo. Um lugar secreto em nós. 



Um comentário

Tortura





























Leia ao som de Por que você faz assim comigo?, da Mallu Magalhães.

  Passo boa parte da semana aqui, do lado dessa estante velha, vendo as pessoas passarem pela janela. E a vida. Passando, normalmente, porque não pode alterar seu curso normal por minha causa. Fico aqui, quietinha, descansando. Porque estou sempre exausta, sempre querendo um canto para me jogar, sempre olhando para o celular, esperando a bendita hora que sua mensagem vai chegar e, eu com certeza não vou saber onde você está, mas estarei um pouco mais aliviada. Na complexidade do nosso não-relacionamento, da angústia onipresente, você me acalma. Sabe, é como morfina: alivia a dor. Ou mata.

 Quando você chega, calado e misterioso, falando estritamente o básico, e entra no quarto, já sem camisa e tirando os sapatos, te observo da cabeça aos pés (e te desejo) e fico vidrada, te encarando, esperando ser cuidada. Não, não é submissão. É esperança. Porque não era para ser diferente disso, entende? Não era para ser diferente de entrega mútua. Pessoas se envolvem porque querem, porque se apaixonam, pelo destino, sei lá. O fato é que, depois de se envolverem, elas criam laços. Mas você não. Você criou nós. Um no meu peito, que todo dia lembro da existência, porque aperta um pouco mais. E outro no meu pescoço, prestes a me matar enforcada.

 Eu te olho. Olho e espero. Espero mais. Quando nos beijamos, sinto até meu dedo mindinho do pé mexer, o estômago revirar, e eu até fico com medo de você achar que estou com fome, mas não: é aquela reação, ainda sem nome, causada pela felicidade (e agonia) de estar com quem se gosta. Mas me sinto masoquista, me sinto como alguém que de uma parede corre até a outra. E se joga. É que, na realidade, queria que me salvasse da outra parede. Que correspondesse à minha corrida e estivesse lá, do outro lado, esperando para me pegar. Mas não. E eu vou me atirando.

 Eu te olho e olho todinho. O traço dos olhos, meio puxados; a linha da sobrancelha; as mãos grandes e firmes; o sorriso que não deixa os dentes de baixo aparecerem. Eu sinto tanta vontade de te abraçar... Sempre. Às vezes, no meio da noite. Às vezes, durante a aula. Eu lembro de você e penso no quanto gostaria de te poupar do mal. Mas e eu? Por que você faz isso comigo? Por que me deixa assim, à mercê?

 Quando olho esses porta-retratos vazios, na sala dos meus pais, penso em quantas vezes acreditei que dali a pouco eles estariam preenchidos por nossas fotos. E lembro que não faço a menor ideia de onde você está. Nem do seu prato predileto. E sequer imagino quem manda as mensagens que fazem seu celular apitar milhões de vezes, irritante e incessantemente, enquanto estamos juntos.

 Estou aqui. Cheia de roxos. Cheia de medo. E cansada, muito cansada. Queria fechar os olhos e dormir. Mas não houve um dia, depois de você, que tenha conseguido. E penso, e penso e penso mais. Não tenho malas a fazer, nem um anel para tirar do dedo. Nenhum toque de drama para, sei lá, fazer parecer bonito. É doído. Doloroso. Um tchau seco e interior, porque nem para me ouvir dizer adeus você está aqui. É solitário. Te amar é solitário. Parece aterrorizante denominar essa coisa, não é? Soa pesado. Amar. Solitário. Eu ainda não entendo e não é uma tarefa fácil, mas até para ir, penso em você. Na sua solidão após mim. Porque eu te ouvia. Talvez você que não quisesse falar, mas eu te ouvia.

 Eu não sei quantas delas há. Mas sei que olha para elas e as compara a mim. Que me coloca num degrau acima, como alguém que não deveria estar incluída quando você fala das garotas com quem se envolve. Mas sou uma garota normal. Tocável. E estar num degrau além, é o que também nos distancia. Não sei se há prazer em me maltratar. Não sei se você lembra e ri. Não sei se você percebe, mas, se sim, por que você faz assim comigo? 

Um comentário

O que vem depois do depois?


















Leia ao som de Read All About It, de Emili Sandé (novamente!).


Eu planejei coisas paras as férias e fiz quase todas. Fiquei ansiosa para começar no emprego novo e, nossa, quanta coincidência receber essa proposta. Eu penso nisso desde criança. Pensei no curso; em como comemoraria essa oportunidade. Não estava satisfeita com o lugar onde estudava. Mudei. Deixei tanta gente que amo para trás. E fracassei num relacionamento fracassado. O que acontece agora? O que acontece depois de tudo o que um dia a gente chamou de depois? É só viver normalmente e ficar esperando? Eu não sei fazer isso. Costumo fazer o plano A, e o plano B; e o C, só por precaução. Quando todos os planos acabam, o que as pessoas fazem? Por favor, me conte. Porque eu já liguei a televisão. E já li todo o livro de História. Eu já visitei meus avós e também fui a um barzinho. Eu acordo todos os dias esperando que hoje (meu Deus, tem que ser hoje!), eu encontre alguma resposta. Sei lá, a minha casa tem estado desconfortável e, os assuntos com meus amigos, sem graça.

Já se afogou? Pois bem. Eu tenho muito medo de mar. Acho que ninguém sabe, mas toda vez que vou à praia, fico observando o mar. As pessoas acham isso poético ou que é apenas admiração. Mas, na verdade, fico imaginando como deve ser a sensação de estar se afogando. Fico imaginando como é perder o ar e não ter lugar algum para segurar e poder respirar novamente. Imagino o desespero de engolir água e de tentar bater os pés, e ainda gritar ao mesmo tempo. Tenho me sentido assim. Aliás, esse é o conceito que criei para a sensação mais abstrata que ando carregando: a de estar sufocada e não ter onde segurar. Quando eu fecho os olhos, sinto a falta de ar. Sinto as bolhas saindo pelo meu nariz. Sinto a força da água.

 Já pensei que talvez eu só seja alguém que nunca está satisfeito com o que tem, mas é que, como é difícil... Estou em um lugar que não quero mais estar. Gosto da minha casa e do cheiro do meu quarto, mas as ruas me olham com rispidez. É utopia acreditar que posso me satisfazer só com o que está da porta para dentro. E todo o resto da cidade? Eu quero isso: a cidade.

 Eu quero poder querer o que quero. Sem as palavras empurradas para minha boca, sabe? Sem essa necessidade de dizer o que diriam, porque eu não diria. Eu não. Eu.


  E agora? Agora é o que chamei de “depois” há uns meses. E eu não conseguia enxergar que o depois tinha um depois. As pessoas me cumprimentam no ônibus e minhas amigas falam sobre o cinema de ontem, mas ninguém sabe responder a todas essas perguntas que carrego, dia após dia, para o meu travesseiro. Ninguém sequer  vê que ando por aí com uma interrogação na testa. O que vem depois de você ter feito todas as coisas que sabia que poderiam ser feitas?

Nenhum comentário

Casa


 Quando eu tinha uns quatro anos, no meu primeiro ano na escola, lembro de ouvir pela primeira vez, da minha avó, a pergunta que me faço quase todos os dias agora: "o que você quer ser quando crescer?" e, sem titubear, respondi: "juíza". Nenhuma menininha nessa idade sabe a complexidade dessa profissão nem o que ela é exatamente, mas eu sabia que um juiz poderia fazer com que um bandido ficasse na cadeia e eu achava isso fantástico. Sabe, no fundo eu vejo lógica. Eu não posso impedir que alguém faça o mal, mas posso puni-lo por isso.

 Eu fui uma criança muito sonhadora e também muito madura. Eu tinha que fechar os olhos para as cenas de sexo das novelas, mas lidei com uma depressão aos três anos. Não me considero vítima de nada. Fui muito feliz. Brinquei de Barbie e, nessas brincadeiras, eu era quem eu queria ser quando crescesse: tinha roupas legais, morava sozinha, fazia tatuagem, casava com o Ken e era vizinha da minha melhor amiga. Fui crescendo e criando mais sonhos. Mais difíceis, é claro. Passei tardes e mais tardes sonhando em viajar para a Disney. Lembro de uma garota da minha escola ter sido alvo da minha total admiração, porque ela foi a primeira pessoa que eu conhecia que foi para lá. Criei dois álbuns no Orkut: Dream 1 e Dream 2. Disney e festa de 15 anos. Dois anos depois, eu estava em absoluto silêncio ao lado dos meus tios e da minha prima (que falavam atônitos e eufóricos), com as lágrimas pingando e arrepiada em frente ao castelo da Cinderella. Minha mãe, na época, não poderia pagar a viagem de forma alguma e eu ganhei dos meus tios. Ela sempre dizia: "Beatriz, não crie tanta expectativa. Não que eu não torça por você, mas é mais provável que não aconteça". Meses depois dessa noite, eu estava dançando valsa com o meu pai sob os olhos de todas as pessoas especiais para mim.

 Tem segredo? Tem sim. Pedir a Deus todas as noites para que aconteça e ficar feliz pelas realizações das outras pessoas.

 Eu acho que eu nunca falei isso pra ninguém, mas todos os dias eu penso em quem eu quero ser quando crescer. Faço mil perguntas a mim mesma antes de dormir. Se eu vou realmente ser feliz arriscando minha vida na profissão que tanto quero ou mais: se vou escolher a coisa que mais amo em vez de a que sustentaria minhas metas; se vou encontrar alguém que me ame a ponto de ser completamente verdadeiro comigo e se essa pessoa vai querer ficar; se vou ser uma pessoa melhor e a filha que minha mãe tanto deseja; se as pessoas vão entender que eu realmente tento ser amorosa e acabo me atrapalhando; se um dia vou colocar a cabeça no travesseiro sem nem uma dessas perguntas.

 Não sei nenhuma das respostas que procuro e de vez em quando fico muito angustiada por me sentir tão impotente em relação à vida. Mas sei que todas as pessoas têm um lugar onde se sentem em casa. Um lugar onde se pode estar à vontade, falar o que se sente cem por cento; onde pode estar com qualquer roupa, sentindo qualquer coisa, seja ela boa ou ruim. Onde também estão as pessoas que ama. Um lugar para o qual se quer voltar quando bate o medo. Um lugar para o coração se sentir confortável e confortado. Para mim, esse lugar é a realização dos meus sonhos. Cada vez que realizo um deles, eu me sinto um pouco mais eu. Como se contasse ao mundo o quanto eu queria aquilo. Como se contasse ao mundo que sou um pouco daquilo também. Que fui à Disney, porque tudo que pensei na infância, pode sim, se materializar. Que tive uma festa de 15 anos, porque queria dizer a todas aquelas pessoas que foram, que são muito especiais. Que tatuei uma coroa, porque assim como a Rainha Elizabeth para a Inglaterra, minha mãe ocupa o papel central na minha vida. E os três pássaros no pulso, porque quero ser independente, viajar para muitos lugares, me sentir livre e ir para onde sou feliz. Que voei de asa-delta, porque queria ver a cidade que mais amo do alto e me sentir livre, como minhas três andorinhas. Todo sonho carrega partículas de quem somos. Toda realização de um sonho conta um pouco do que pensamos no escuro do quarto, com a cabeça no travesseiro. Conta aquilo que ninguém vê, mas que tem uma bagagem enorme de sentimentos que investimos.

 Casa é onde meu coração está. E, se o coração é meu, coloco onde quiser. Jamais duvide daquilo você quer ou ama. Nunca torça para que o outro quer, não aconteça. Casa é quem queremos ser para o mundo: a alma, o que ela deseja para si. Minha casa é tudo que desperta amor em mim.




Nenhum comentário
 

Dama do Drama © 2014 LAYOUT POR MAYARA SOUSA