Tortura





























Leia ao som de Por que você faz assim comigo?, da Mallu Magalhães.

  Passo boa parte da semana aqui, do lado dessa estante velha, vendo as pessoas passarem pela janela. E a vida. Passando, normalmente, porque não pode alterar seu curso normal por minha causa. Fico aqui, quietinha, descansando. Porque estou sempre exausta, sempre querendo um canto para me jogar, sempre olhando para o celular, esperando a bendita hora que sua mensagem vai chegar e, eu com certeza não vou saber onde você está, mas estarei um pouco mais aliviada. Na complexidade do nosso não-relacionamento, da angústia onipresente, você me acalma. Sabe, é como morfina: alivia a dor. Ou mata.

 Quando você chega, calado e misterioso, falando estritamente o básico, e entra no quarto, já sem camisa e tirando os sapatos, te observo da cabeça aos pés (e te desejo) e fico vidrada, te encarando, esperando ser cuidada. Não, não é submissão. É esperança. Porque não era para ser diferente disso, entende? Não era para ser diferente de entrega mútua. Pessoas se envolvem porque querem, porque se apaixonam, pelo destino, sei lá. O fato é que, depois de se envolverem, elas criam laços. Mas você não. Você criou nós. Um no meu peito, que todo dia lembro da existência, porque aperta um pouco mais. E outro no meu pescoço, prestes a me matar enforcada.

 Eu te olho. Olho e espero. Espero mais. Quando nos beijamos, sinto até meu dedo mindinho do pé mexer, o estômago revirar, e eu até fico com medo de você achar que estou com fome, mas não: é aquela reação, ainda sem nome, causada pela felicidade (e agonia) de estar com quem se gosta. Mas me sinto masoquista, me sinto como alguém que de uma parede corre até a outra. E se joga. É que, na realidade, queria que me salvasse da outra parede. Que correspondesse à minha corrida e estivesse lá, do outro lado, esperando para me pegar. Mas não. E eu vou me atirando.

 Eu te olho e olho todinho. O traço dos olhos, meio puxados; a linha da sobrancelha; as mãos grandes e firmes; o sorriso que não deixa os dentes de baixo aparecerem. Eu sinto tanta vontade de te abraçar... Sempre. Às vezes, no meio da noite. Às vezes, durante a aula. Eu lembro de você e penso no quanto gostaria de te poupar do mal. Mas e eu? Por que você faz isso comigo? Por que me deixa assim, à mercê?

 Quando olho esses porta-retratos vazios, na sala dos meus pais, penso em quantas vezes acreditei que dali a pouco eles estariam preenchidos por nossas fotos. E lembro que não faço a menor ideia de onde você está. Nem do seu prato predileto. E sequer imagino quem manda as mensagens que fazem seu celular apitar milhões de vezes, irritante e incessantemente, enquanto estamos juntos.

 Estou aqui. Cheia de roxos. Cheia de medo. E cansada, muito cansada. Queria fechar os olhos e dormir. Mas não houve um dia, depois de você, que tenha conseguido. E penso, e penso e penso mais. Não tenho malas a fazer, nem um anel para tirar do dedo. Nenhum toque de drama para, sei lá, fazer parecer bonito. É doído. Doloroso. Um tchau seco e interior, porque nem para me ouvir dizer adeus você está aqui. É solitário. Te amar é solitário. Parece aterrorizante denominar essa coisa, não é? Soa pesado. Amar. Solitário. Eu ainda não entendo e não é uma tarefa fácil, mas até para ir, penso em você. Na sua solidão após mim. Porque eu te ouvia. Talvez você que não quisesse falar, mas eu te ouvia.

 Eu não sei quantas delas há. Mas sei que olha para elas e as compara a mim. Que me coloca num degrau acima, como alguém que não deveria estar incluída quando você fala das garotas com quem se envolve. Mas sou uma garota normal. Tocável. E estar num degrau além, é o que também nos distancia. Não sei se há prazer em me maltratar. Não sei se você lembra e ri. Não sei se você percebe, mas, se sim, por que você faz assim comigo? 

Um comentário

O que vem depois do depois?


















Leia ao som de Read All About It, de Emili Sandé (novamente!).


Eu planejei coisas paras as férias e fiz quase todas. Fiquei ansiosa para começar no emprego novo e, nossa, quanta coincidência receber essa proposta. Eu penso nisso desde criança. Pensei no curso; em como comemoraria essa oportunidade. Não estava satisfeita com o lugar onde estudava. Mudei. Deixei tanta gente que amo para trás. E fracassei num relacionamento fracassado. O que acontece agora? O que acontece depois de tudo o que um dia a gente chamou de depois? É só viver normalmente e ficar esperando? Eu não sei fazer isso. Costumo fazer o plano A, e o plano B; e o C, só por precaução. Quando todos os planos acabam, o que as pessoas fazem? Por favor, me conte. Porque eu já liguei a televisão. E já li todo o livro de História. Eu já visitei meus avós e também fui a um barzinho. Eu acordo todos os dias esperando que hoje (meu Deus, tem que ser hoje!), eu encontre alguma resposta. Sei lá, a minha casa tem estado desconfortável e, os assuntos com meus amigos, sem graça.

Já se afogou? Pois bem. Eu tenho muito medo de mar. Acho que ninguém sabe, mas toda vez que vou à praia, fico observando o mar. As pessoas acham isso poético ou que é apenas admiração. Mas, na verdade, fico imaginando como deve ser a sensação de estar se afogando. Fico imaginando como é perder o ar e não ter lugar algum para segurar e poder respirar novamente. Imagino o desespero de engolir água e de tentar bater os pés, e ainda gritar ao mesmo tempo. Tenho me sentido assim. Aliás, esse é o conceito que criei para a sensação mais abstrata que ando carregando: a de estar sufocada e não ter onde segurar. Quando eu fecho os olhos, sinto a falta de ar. Sinto as bolhas saindo pelo meu nariz. Sinto a força da água.

 Já pensei que talvez eu só seja alguém que nunca está satisfeito com o que tem, mas é que, como é difícil... Estou em um lugar que não quero mais estar. Gosto da minha casa e do cheiro do meu quarto, mas as ruas me olham com rispidez. É utopia acreditar que posso me satisfazer só com o que está da porta para dentro. E todo o resto da cidade? Eu quero isso: a cidade.

 Eu quero poder querer o que quero. Sem as palavras empurradas para minha boca, sabe? Sem essa necessidade de dizer o que diriam, porque eu não diria. Eu não. Eu.


  E agora? Agora é o que chamei de “depois” há uns meses. E eu não conseguia enxergar que o depois tinha um depois. As pessoas me cumprimentam no ônibus e minhas amigas falam sobre o cinema de ontem, mas ninguém sabe responder a todas essas perguntas que carrego, dia após dia, para o meu travesseiro. Ninguém sequer  vê que ando por aí com uma interrogação na testa. O que vem depois de você ter feito todas as coisas que sabia que poderiam ser feitas?

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