Aqui































 Marquei, bem aqui, às sete. Esperei-lhe ansiosa e usando o meu melhor perfume. Os ponteiros andaram diversas vezes e meu pé doeu; sentei. Contei estrelas, contei histórias, contei minutos. E, mentalmente, justifiquei o atraso, tentando me auto-enganar. Você não veio. Perguntei ao moço do carrinho de pipoca no dia seguinte; você não veio. O contratempo foi descobrir que você não queria vir.

 Hoje estamos, à luz do luar, no mesmo lugar, com todas essas bandeiras sobre nossas cabeças e esses paralelepípedos sob nossos pés. Você não está aqui porque sabia que eu também estaria, porque nem eu sabia. Você está aqui porque quis vir. Porque quis encontrar algo que permitiu que caísse caminho afora. Eu estou aqui, porque gosto desse lugar. Os cacos das nossas memórias não me são úteis, mas o que ficou de bom, como já disse, ficou. Até as dores são boas lembranças por terem me tornado quem sou.

À noite, fechei os olhos e senti que algo bom estava por vir. Faz tempo, mas logo fui boicotada pela vida, que me fez tropeçar em nós e cair. Andei por aí, desbravei corações, mares, noites, bocas, músicas que não eram a nossa. Tornei-me mais segura, continuei sendo a menina que senta no meio fio para ouvir histórias dos rapazes que conheço, mas conheci a mim, tomei um bom vinho, tirei o excesso de cabelo, de traumas, de apego e mágoas. Ainda sou a moça que delira quando vê prédios muito altos, mas agora também sou quem vai morar em um deles.

 Você está aqui. Nada é o mesmo. Você não está intacto, nem quem somos e o que fizemos de nós. Quase tudo mudou ou esteve em outro lugar, mas a igreja é a mesma. O moço da pipoca também. E a essência do que sentimos ao fechar os olhos todas as noites. Dessa vez, você não quer tudo. Você quer me amar. Assim: simples como deve ser. Sem o passado assombrando, mas com todas as provas mais que evidentes de que é para ser e será.


 A lua, iluminando o seu rosto, intercessora da concretização de nós, é testemunha ocular de que somos e estamos e sempre deveríamos ter sido. O mar, de amar, azulou-se. Beijar-lhe é tripudiar tudo que um dia nos negou acontecer. Para ser feliz, é necessário uma coisa só: deitar-me ao seu lado. Aqui. 

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Ela



  
  Escrevo atrasado demais, porque nem sequer sabia que podia escrever, mas você sempre faz com que as pessoas descubram suas capacidades ocultas. Escrevo, pois na aurora dominical lembrei de você. Sei que te deixei vazar pelas minhas mãos e nada há que possa ser feito para revertê-lo, mas queria te dizer que no meu silêncio couberam tantas coisas quanto no seu. Estava tão despreparado para te encontrar quanto você e a diferença está exatamente no seu dom mais que teatral de improvisação, que faz com que sempre se saia bem e tenha tato para lidar com o mundo. E por falar em tato, sinto falta das suas mãos quase infantis de tão pequenas, que cabiam nas minhas, dobradas, e eu até me sentia protetor por alguns segundos.

 Você é um caos ambulante; um caos bonito de se ver. Um caos que fazia eu me debruçar na mesa de restaurantes aleatórios para admirá-la (o que obviamente não justifica minha apatia). Você é essa coisa toda. Ora me deixava apavorado por ser tão mulher e perspicaz, ora me deixava desnorteado por ser tão menina e precisar de tanto cuidado, que não me julgava capaz de dar. Você é uma garota cheia de alma e cheia de vida. De vez em quando me assustava com tanta naturalidade ao parafrasear Maquiavel, pragmática como ninguém, enquanto eu tomava minha cerveja no bar de esquina, em frente à praia. E me fazia parar para ver o mar antes de te levar para casa e falava da vida como quem fala de preparar arroz: as coisas soam tão naturais e simples quando saem da sua boca, e isso realmente me amedronta. Você é simples. Elogiava as meninas, as roupas, a maquiagem, a elegância, se isentando de ser uma e não as diminuindo de forma alguma, porque para você, as coisas têm de ser como são, inclusive a beleza alheia. Essa é umas coisas que te fazem ainda mais bonita: você não precisa se sentir melhor que ninguém, mesmo quando realmente é.

  Você faz as pessoas se sentirem exatamente o que são e quando elas não sabem quem são, você abre o caminho, pega na mão, anda lado a lado e as conduz escuridão adentro sem medo de se perder também. É por isso que hoje sei que não preciso envenenar tudo o que sinto, porque não há mal nos sentimentos a não ser que deixemos. Você dia ou outro reclamava de não saber fazer nada, de não conseguir concluir nada que inicia e nisso concordamos: você é desorganizada e inconstante, mas onde já se viu, você escreve e faz todas as palavras fluírem linda e harmoniosamente, numa sinfonia perfeita, de sentimentalismo e realidade. Você canta afinado, tímida e distraída e sempre para quando percebe que estou ouvindo. Você faz as crianças te quererem como tia e os idosos, como neta. Você sabe quase toda a linha do tempo da Guerra Fria, mas quando o assunto se tornava História, você preferia ouvir, porque sua personalidade não te permite parecer arrogante.


Talvez eu pareça um poeta trovador, um daqueles que colocavam a mulher amada como deusa máxima. Sei que você tem defeitos, mas há bastante tempo venho procurando-os para justificar minha distância, e é difícil enumerar muitos, a parte boa se sobressai. Sinto falta de acordar acariciando o travesseiro e procurando os fios ruivos que você sempre deixava nele antes de ir. Juntava-os e colocava na lixeira do banheiro. Se pudesse voltar no tempo, guardaria num vasilhame de vidro, para de alguma maneira acreditar que algo de você ficou. Levaria você ao aniversário da minha avó e tenho certeza que suas bochechas corariam quando, gritando (ela está ensurdecendo), diria que você é uma graça e eu assentiria com a cabeça. Se pudesse voltar no tempo, compraria algumas revistas teen e com recortes de textos de auto-ajuda montaria o meu próprio para dizer que gosto de muitas coisas em você e até de você. Jogaria sinuca e não te deixaria acreditar que “não é bonita ou inteligente, porque ninguém é e ninguém nunca vai ser” (como naquele filme com o cara de High School Musical), porque você é. E muito. Seu batom vermelho fazia todos os olhares e expectativas concentrarem-se em você, e esse era um passo para as pessoas repararem nas suas curvas. Mas logo depois, tudo isso tornava-se pequeno. Porque quando você abre a boca, de forma mística e ao mesmo tempo real e simples, prende as pessoas. Voltaria no tempo e caçaria as palavras, circulando-as com caneta esferográfica, nos seus cabelos, no seu corpo, nas pintas quase invisíveis do rosto para saber qual devo usar para dizer que eu realmente te amei de um jeito que não era para ter sido, mas foi. E não me arrependo. 

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