Casa


 Quando eu tinha uns quatro anos, no meu primeiro ano na escola, lembro de ouvir pela primeira vez, da minha avó, a pergunta que me faço quase todos os dias agora: "o que você quer ser quando crescer?" e, sem titubear, respondi: "juíza". Nenhuma menininha nessa idade sabe a complexidade dessa profissão nem o que ela é exatamente, mas eu sabia que um juiz poderia fazer com que um bandido ficasse na cadeia e eu achava isso fantástico. Sabe, no fundo eu vejo lógica. Eu não posso impedir que alguém faça o mal, mas posso puni-lo por isso.

 Eu fui uma criança muito sonhadora e também muito madura. Eu tinha que fechar os olhos para as cenas de sexo das novelas, mas lidei com uma depressão aos três anos. Não me considero vítima de nada. Fui muito feliz. Brinquei de Barbie e, nessas brincadeiras, eu era quem eu queria ser quando crescesse: tinha roupas legais, morava sozinha, fazia tatuagem, casava com o Ken e era vizinha da minha melhor amiga. Fui crescendo e criando mais sonhos. Mais difíceis, é claro. Passei tardes e mais tardes sonhando em viajar para a Disney. Lembro de uma garota da minha escola ter sido alvo da minha total admiração, porque ela foi a primeira pessoa que eu conhecia que foi para lá. Criei dois álbuns no Orkut: Dream 1 e Dream 2. Disney e festa de 15 anos. Dois anos depois, eu estava em absoluto silêncio ao lado dos meus tios e da minha prima (que falavam atônitos e eufóricos), com as lágrimas pingando e arrepiada em frente ao castelo da Cinderella. Minha mãe, na época, não poderia pagar a viagem de forma alguma e eu ganhei dos meus tios. Ela sempre dizia: "Beatriz, não crie tanta expectativa. Não que eu não torça por você, mas é mais provável que não aconteça". Meses depois dessa noite, eu estava dançando valsa com o meu pai sob os olhos de todas as pessoas especiais para mim.

 Tem segredo? Tem sim. Pedir a Deus todas as noites para que aconteça e ficar feliz pelas realizações das outras pessoas.

 Eu acho que eu nunca falei isso pra ninguém, mas todos os dias eu penso em quem eu quero ser quando crescer. Faço mil perguntas a mim mesma antes de dormir. Se eu vou realmente ser feliz arriscando minha vida na profissão que tanto quero ou mais: se vou escolher a coisa que mais amo em vez de a que sustentaria minhas metas; se vou encontrar alguém que me ame a ponto de ser completamente verdadeiro comigo e se essa pessoa vai querer ficar; se vou ser uma pessoa melhor e a filha que minha mãe tanto deseja; se as pessoas vão entender que eu realmente tento ser amorosa e acabo me atrapalhando; se um dia vou colocar a cabeça no travesseiro sem nem uma dessas perguntas.

 Não sei nenhuma das respostas que procuro e de vez em quando fico muito angustiada por me sentir tão impotente em relação à vida. Mas sei que todas as pessoas têm um lugar onde se sentem em casa. Um lugar onde se pode estar à vontade, falar o que se sente cem por cento; onde pode estar com qualquer roupa, sentindo qualquer coisa, seja ela boa ou ruim. Onde também estão as pessoas que ama. Um lugar para o qual se quer voltar quando bate o medo. Um lugar para o coração se sentir confortável e confortado. Para mim, esse lugar é a realização dos meus sonhos. Cada vez que realizo um deles, eu me sinto um pouco mais eu. Como se contasse ao mundo o quanto eu queria aquilo. Como se contasse ao mundo que sou um pouco daquilo também. Que fui à Disney, porque tudo que pensei na infância, pode sim, se materializar. Que tive uma festa de 15 anos, porque queria dizer a todas aquelas pessoas que foram, que são muito especiais. Que tatuei uma coroa, porque assim como a Rainha Elizabeth para a Inglaterra, minha mãe ocupa o papel central na minha vida. E os três pássaros no pulso, porque quero ser independente, viajar para muitos lugares, me sentir livre e ir para onde sou feliz. Que voei de asa-delta, porque queria ver a cidade que mais amo do alto e me sentir livre, como minhas três andorinhas. Todo sonho carrega partículas de quem somos. Toda realização de um sonho conta um pouco do que pensamos no escuro do quarto, com a cabeça no travesseiro. Conta aquilo que ninguém vê, mas que tem uma bagagem enorme de sentimentos que investimos.

 Casa é onde meu coração está. E, se o coração é meu, coloco onde quiser. Jamais duvide daquilo você quer ou ama. Nunca torça para que o outro quer, não aconteça. Casa é quem queremos ser para o mundo: a alma, o que ela deseja para si. Minha casa é tudo que desperta amor em mim.




Nenhum comentário

Postar um comentário

 

Dama do Drama © 2014 LAYOUT POR MAYARA SOUSA