Algum lugar que apenas nós conhecemos



Leia ao som de Somewhere only we know.


 Gosto de escrever quando sai e me deixa aqui, sozinha, com um monte de você pela casa. Aliás, no início, achava bem estranho você sair para a faculdade ou trabalhar e querer que eu ficasse. Até me dizer que a graça está em voltar e me encontrar. E como temos nos encontrado... Como naquele dia. Eu nunca acreditei em como as pessoas se conhecem nos filmes. Aí você derrubou vinho (quem bebe vinho em boates?)  no meu vestido vermelho, no fundo da balada. Eu gritei. Você me achou louca. Só queria ir embora, mas eu tinha uma amiga dançando e um cara desastrado que esperava o primo beijar alguém. Descobri que você odeia Exatas tanto quanto eu.

 E depois, eu estava sendo sequestrada por madrugadas aleatórias para andar de carro pela cidade e saber como ela é quando não tem ninguém olhando. Por sinal, ela é muito mais bonita e atraente, assim como nossa história, porque não há olhos curiosos sobre nós. Veio o vestibular e todo o meu desespero. Foi aí que conheci sua casa e descobri que Camboja fica do lado do Vietnã. Aprendi mais de Geografia nessa tarde que nos 14 anos de escola. Discutimos política; se deve ou não haver redução da maioridade penal; se doce de leite é melhor que chocolate. E, de repente, eu estava lá de novo. Estudando enquanto você tocava piano. Não existe nada mais elegante que tocar piano. Principalmente quando se trata de você e do jeito que prende o lábio com o dente quando está concentrado. Você queria algo que rimasse com “hipotético” e eu sugeri “poético” e agora fazemos músicas nas tardes de folga.

  Às vezes, te acho homem demais para mim, uma garotinha que não sabe nada da vida. Você foi a coisa mais-não-planejada que já me aconteceu. E toda a insegurança vai embora quando me pede para ser sempre tão menina. Para continuar sendo eu. Você sempre diz que sou uma menina cheia de alma, vida e história. Mal sabe que, na verdade, nunca pude colocar para fora tanta alma quanto agora. Não tenho mais medo de fazer isso.

 Um dia desses, saímos para pedir pizza e umas garotas da faculdade foram te cumprimentar. Observava, de longe, sorrateira. Assim que virou de costas, elas comentaram sobre sua roupa e como você é bonito. Bobinhas... É raro uma garota não te olhar, mas é maravilhoso saber que é a minha foto que está na sua carteira (e vergonhoso lembrar da minha careta nela). É maravilhoso ser quem sabe que a pizza é de frango com catupiry sem orégano e, melhor ainda, ser quem a divide com você.

Gosto de como falamos, do quanto falamos e de falarmos tanto da vida. De tudo. Desde as guerras mais importantes na América do Sul, até tentar adivinhar que bebida está na caneca do Jô Soares.  Você foi tomar banho e pediu que eu ficasse te esperando do lado de fora, no quarto, só para não deixarmos o assunto pela metade. Acordei, no dia seguinte, na sua cama. Com uma camisa preta gigante do lado e um bilhete de “é o melhor que tenho”. Desci, envergonhada, e encontrei travesseiros no sofá e uma mesa de café da manhã. Você me olhou, olhou de novo e soltou um “uau! Como você fica sexy com a minha roupa”, ironizando o fato de eu odiar ser chamada de sexy. Eu dormi na sua cama sem nunca termos nos beijado. E você não quis tirar a minha roupa para isso.

 Algumas semanas depois, era o meu domingo na escolha do filme. Errei de novo. Uma comédia péssima e ríamos só para não prolongar o silêncio. E você me beijou. E, novamente, mais algumas vezes. Mas, depois disso, você continua me deixando falar, e falar, e falar, até não querer mais. Porque te importa mais que eu esteja aliviada e em paz, do que me calar. Você é vinho depois de vodka. Tira o amargo. Quase ninguém sabe sobre nós e é isso que me faz, pela primeira vez, não precisar de garantia alguma: temos um lugar só nosso no mundo. Um lugar secreto em nós. 



Um comentário

  1. Queria ter palavras pra dizer o quanto esse texto é lindo, mas não tenho! Só queria dizer que a cidade vazia na madrugada é o lugar mais acordado do mundo pra mim

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