Ela



  
  Escrevo atrasado demais, porque nem sequer sabia que podia escrever, mas você sempre faz com que as pessoas descubram suas capacidades ocultas. Escrevo, pois na aurora dominical lembrei de você. Sei que te deixei vazar pelas minhas mãos e nada há que possa ser feito para revertê-lo, mas queria te dizer que no meu silêncio couberam tantas coisas quanto no seu. Estava tão despreparado para te encontrar quanto você e a diferença está exatamente no seu dom mais que teatral de improvisação, que faz com que sempre se saia bem e tenha tato para lidar com o mundo. E por falar em tato, sinto falta das suas mãos quase infantis de tão pequenas, que cabiam nas minhas, dobradas, e eu até me sentia protetor por alguns segundos.

 Você é um caos ambulante; um caos bonito de se ver. Um caos que fazia eu me debruçar na mesa de restaurantes aleatórios para admirá-la (o que obviamente não justifica minha apatia). Você é essa coisa toda. Ora me deixava apavorado por ser tão mulher e perspicaz, ora me deixava desnorteado por ser tão menina e precisar de tanto cuidado, que não me julgava capaz de dar. Você é uma garota cheia de alma e cheia de vida. De vez em quando me assustava com tanta naturalidade ao parafrasear Maquiavel, pragmática como ninguém, enquanto eu tomava minha cerveja no bar de esquina, em frente à praia. E me fazia parar para ver o mar antes de te levar para casa e falava da vida como quem fala de preparar arroz: as coisas soam tão naturais e simples quando saem da sua boca, e isso realmente me amedronta. Você é simples. Elogiava as meninas, as roupas, a maquiagem, a elegância, se isentando de ser uma e não as diminuindo de forma alguma, porque para você, as coisas têm de ser como são, inclusive a beleza alheia. Essa é umas coisas que te fazem ainda mais bonita: você não precisa se sentir melhor que ninguém, mesmo quando realmente é.

  Você faz as pessoas se sentirem exatamente o que são e quando elas não sabem quem são, você abre o caminho, pega na mão, anda lado a lado e as conduz escuridão adentro sem medo de se perder também. É por isso que hoje sei que não preciso envenenar tudo o que sinto, porque não há mal nos sentimentos a não ser que deixemos. Você dia ou outro reclamava de não saber fazer nada, de não conseguir concluir nada que inicia e nisso concordamos: você é desorganizada e inconstante, mas onde já se viu, você escreve e faz todas as palavras fluírem linda e harmoniosamente, numa sinfonia perfeita, de sentimentalismo e realidade. Você canta afinado, tímida e distraída e sempre para quando percebe que estou ouvindo. Você faz as crianças te quererem como tia e os idosos, como neta. Você sabe quase toda a linha do tempo da Guerra Fria, mas quando o assunto se tornava História, você preferia ouvir, porque sua personalidade não te permite parecer arrogante.


Talvez eu pareça um poeta trovador, um daqueles que colocavam a mulher amada como deusa máxima. Sei que você tem defeitos, mas há bastante tempo venho procurando-os para justificar minha distância, e é difícil enumerar muitos, a parte boa se sobressai. Sinto falta de acordar acariciando o travesseiro e procurando os fios ruivos que você sempre deixava nele antes de ir. Juntava-os e colocava na lixeira do banheiro. Se pudesse voltar no tempo, guardaria num vasilhame de vidro, para de alguma maneira acreditar que algo de você ficou. Levaria você ao aniversário da minha avó e tenho certeza que suas bochechas corariam quando, gritando (ela está ensurdecendo), diria que você é uma graça e eu assentiria com a cabeça. Se pudesse voltar no tempo, compraria algumas revistas teen e com recortes de textos de auto-ajuda montaria o meu próprio para dizer que gosto de muitas coisas em você e até de você. Jogaria sinuca e não te deixaria acreditar que “não é bonita ou inteligente, porque ninguém é e ninguém nunca vai ser” (como naquele filme com o cara de High School Musical), porque você é. E muito. Seu batom vermelho fazia todos os olhares e expectativas concentrarem-se em você, e esse era um passo para as pessoas repararem nas suas curvas. Mas logo depois, tudo isso tornava-se pequeno. Porque quando você abre a boca, de forma mística e ao mesmo tempo real e simples, prende as pessoas. Voltaria no tempo e caçaria as palavras, circulando-as com caneta esferográfica, nos seus cabelos, no seu corpo, nas pintas quase invisíveis do rosto para saber qual devo usar para dizer que eu realmente te amei de um jeito que não era para ter sido, mas foi. E não me arrependo. 

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