Cidades grandes e nós dois


 Estou em mais uma cidade grande, tirando férias da minha pacata vida de garota do interior – e sei que faria uma observação: sou uma garota do interior apenas por morar nele, porque na prática sou uma garota-mundo. Você me deixa constrangida com essas expressões enigmáticas meio elogiosas. Eu costumo ser mais objetiva e falo logo da sua barba e da sua, aparentemente, inesgotável paciência. Mas, voltando a metrópoles e prédios: sempre que os vejo, lembro daquelas coisas que me diz a cada fevereiro sobre morar em um deles somente até ter dinheiro para comprar uma casa e ter uns dois ou três filhos e a menina, ah, a menina vai se chamar Sophia, e você tem pavor de um dia ela chegar em casa dizendo que arrumou um namoradinho. Ouço isso desde os quinze anos, quando ainda tinha coragem de usar um lacinho de pérolas no cabelo; e agora já estou aqui: crescida e ligando aos prantos para uma amiga, para dizer que é difícil passar tanto tempo sozinha longe. E, toda vez que é você quem está do outro lado da linha, me diz “calma, meu bem. Tudo vai se acertar”. Odeio que acredite tanto assim no destino. Principalmente no nosso.

 Não que eu descarte definitivamente ser dona de uma dessas janelinhas acesas lá no alto junto a você. Só não quero parecer menos dona dessa decisão por nos deixar tão nas mãos do futuro. Você nunca foi o meu “com certeza”, mas seria uma bela cereja do bolo em que botei a mão na massa para fazer. E cá estou: sentada em frente ao forno, esperando-o ficar pronto, enquanto você ainda acha cedo demais para saber se pode ou não estar em Paraty no próximo carnaval.

 Por todas estas coisas e algumas outras, invejo seu trabalho. Você investe o seu tempo em cuidar de pilhas de papel e deixa as pessoas sob a responsabilidade do destino. Temo por você. Temo pensar que vai amar alguém e irá pedi-la que aguarde um pouco mais até poder comprar uma casa com jardim (e eu sei que irá comprar); e que, depois, dedique-se completamente ao mestrado e, ainda mais a frente, peça-a para esperar você juntar dinheiro para a viagem de aniversário de casamento e que, um dia, chegue em casa e a veja pela última vez, porque esperar cansa e o tempo não brinca de estátua. Eu também não. E é por isso que gosto de cidades grandes: elas nunca me permitem ficar entediada. Elas não admitem inércia sentimental: sempre há algo a ser sentido, seja bom ou ruim. E você não me faz sentir nada novo desde o dia em que te conheci. 

Imagem: We Heart It

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