Sozinha


Leia ouvindo esta música!

 Olhei para a cama gigante, nunca esteve tão convidativa. Duas taças de um vinho português e o quarto parecia absurdamente quente. E vinho sempre causa duas coisas: coragem e sono. Eu tirei a calça e me atirei. Estava, enfim, sozinha. Sozinha com essa cidade cheia de luzes e cheiro de maresia. Deitei e vi no teto um retroprojetor da minha mente confusa. Não adiei nada: revirei cada acontecimento, cada “tchau”, todos os “nãos”, as bocas, os meses e as indecisões. Eu estava em um lugar em que as pessoas sequer sabiam meu nome, porém, apenas de uma coisa não podia fugir: de mim mesma. Era a hora de me despir. Água gelada e cabelos molhados – e, também, sentimentos expostos. Todos refletidos no espelho. Os quilos a mais não negam que troquei a aparência pelos meus sonhos.

 Voltei para o quarto e sussurrei: “enfim a sós” e dei uma piscadela para a minha própria imagem no guarda-roupa. Conheci uma nova série e fiquei dividida entre o mocinho e o vilão. Fui ao cinema e usei três cadeiras para deitar. Gargalhei alto e troquei sorrisos com um funcionário na saída. Comi todas as porcarias que amo e perdi dois quilos caminhando todos os dias na orla durante o por do sol. E pensei em entrar no mar a noite.

 Confrontei-me sobre os próximos meses, mas me distraí comprando livros novos. E esbarrei três dias com um cara que, no final, acabou deixando seu perfume no meu vestido. Ri, sozinha, do quanto minha vida parece um filme adolescente. Desejei ficar pela primeira vez e até fiz uns planos de conhecer os bares na rua da faculdade. Ou ficar assistindo filme e dividir a pizza com uma nova pessoa. E ela me pediu para ficar mais um pouco ou, quem sabe, voltar de vez.

 Não respondi nada. Não posso falar sobre pessoas e futuro agora que, finalmente, tenho conseguido ser alguém real. Mas também não desejo ser como as que me fizeram demorar a me tornar isso. Sozinha, eu tenho ido longe, porque ninguém me pede para esperar um pouco. Não tenho precisado carregar nada nas costas e tenho andado rápido graças a isso. Sozinha, com todos os tempos verbais e existenciais, descobri que é um grande presente vivê-lo.

 Volto para casa em breve, minha mala é bem pequena para os meus padrões e, o que não cabe nela e no peito, eu abandonarei aqui. E, por incrível que pareça: não há quase nada sendo deixado para trás, porque a bagagem jamais esteve preenchida por tantas coisas boas e concretas. 


Nenhum comentário

Postar um comentário

 

Dama do Drama © 2014 LAYOUT POR MAYARA SOUSA