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Olhei para a cama
gigante, nunca esteve tão convidativa. Duas taças de um vinho português e o
quarto parecia absurdamente quente. E vinho sempre causa duas coisas: coragem e
sono. Eu tirei a calça e me atirei. Estava, enfim, sozinha. Sozinha com essa
cidade cheia de luzes e cheiro de maresia. Deitei e vi no teto um retroprojetor
da minha mente confusa. Não adiei nada: revirei cada acontecimento, cada
“tchau”, todos os “nãos”, as bocas, os meses e as indecisões. Eu estava em um
lugar em que as pessoas sequer sabiam meu nome, porém, apenas de uma coisa não
podia fugir: de mim mesma. Era a hora de me despir. Água gelada e cabelos
molhados – e, também, sentimentos expostos. Todos refletidos no espelho. Os
quilos a mais não negam que troquei a aparência pelos meus sonhos.
Voltei para o quarto
e sussurrei: “enfim a sós” e dei uma piscadela para a minha própria imagem no
guarda-roupa. Conheci uma nova série e fiquei dividida entre o mocinho e o
vilão. Fui ao cinema e usei três cadeiras para deitar. Gargalhei alto e troquei
sorrisos com um funcionário na saída. Comi todas as porcarias que amo e perdi
dois quilos caminhando todos os dias na orla durante o por do sol. E pensei em
entrar no mar a noite.
Confrontei-me sobre
os próximos meses, mas me distraí comprando livros novos. E esbarrei três dias
com um cara que, no final, acabou deixando seu perfume no meu vestido. Ri,
sozinha, do quanto minha vida parece um filme adolescente. Desejei ficar pela
primeira vez e até fiz uns planos de conhecer os bares na rua da faculdade. Ou
ficar assistindo filme e dividir a pizza com uma nova pessoa. E ela me pediu
para ficar mais um pouco ou, quem sabe, voltar de vez.
Não respondi nada.
Não posso falar sobre pessoas e futuro agora que, finalmente, tenho conseguido
ser alguém real. Mas também não desejo ser como as que me fizeram demorar a me tornar isso. Sozinha, eu tenho ido longe, porque ninguém me pede para esperar um
pouco. Não tenho precisado carregar nada nas costas e tenho andado rápido
graças a isso. Sozinha, com todos os tempos verbais e existenciais, descobri
que é um grande presente vivê-lo.
Volto para casa em
breve, minha mala é bem pequena para os meus padrões e, o que não cabe nela e
no peito, eu abandonarei aqui. E, por incrível que pareça: não há quase nada
sendo deixado para trás, porque a bagagem jamais esteve preenchida por tantas
coisas boas e concretas.
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