Coma

  Leia ao som de Read All About It, de Emili Sandé.

Olho para o teto, jogada na cama, como se a qualquer hora ele fosse se abrir e como se pudesse ver o céu, as estrelas. E quem sabe, isso trouxesse conforto a mim, que passo horas criando mil teorias para esse término violenta e inescrupulosamente brusco. Sou tomada por uma falta de ar que, garanto, não é mais uma crise de asma. É um nó no peito. Arranco o sutiã, num gesto de desespero, e não vem dele o tal aperto. Dói. Da ponta do pé à cabeça. E é confuso distinguir de onde vem a tal dor, e se é física. Talvez seja na alma. Mas eu não conto, porque minha boca não quer admitir que você se foi e eu não sei por onde, já que a porta da frente continua intacta. Você mudou suas rotas e prefere dar a volta na cidade inteira a passar na minha rua. Eu não sei por que. E, mesmo sem entender nada de coração, eu diagnosticaria que é isso: não saber.
  Eu, cautelosamente, senti o que, hoje, se tornou uma bola de neve e quer te atropelar. Demos um passo de cada vez, lembra? E, então, você resolveu correr. Tentei rascunhar esse texto dez vezes, mas é a minha velha sina: escrever pode organizar ou bagunçar tudo. Não queria mexer nessa caixa que deixei no canto do quarto da empregada, com todas as nossas histórias, e não queria sentir de novo. Fui ao meu lugar secreto algumas vezes e, pior do que gostar tanto de você, foi te levar àquele lugar. Antes, eu ia lá para fugir dos problemas e, agora, ele me faz lembrar o maior deles. Não há uma manhã que eu não acorde perguntando a mim mesma: “por quê?”. Na nossa última conversa, durante seu horário de almoço e na porta da minha faculdade, fiz ânsia várias vezes e preferi engolir. Mas, agora, é inevitável vomitar todas essas palavras em você, porque meu corpo já não aguenta mais.
  Olho para todas essas pessoas e me pergunto se alguma delas viu quem você era antes de ser o que é. Se elas viram sua ligação às 2 da manhã, chorando por ter visto na TV a notícia do acidente com um carro prata e pensado que era o meu. Será que elas viram nosso beijo no fim da tarde em que fomos ao parque? Meu vizinho viu, eu lembro. E paixão? Será que ele viu também? Porque eu estive vendada até agora. Estive anestesiada ou sob o efeito do pior narcótico já inventado que, até semana passada, eu sequer imaginava a existência.
  Reproduzo frequentemente aquela quinta-feira. Entrei no elevador e disse que queria ouvir, seja lá o que fosse. Eu assumi as consequências do meu pedido: queria te ouvir. Você disse “tá tudo bem” e deixou a porta fechar. Sem beijo, sem tchau e sem você. Eu não pude prever, mas acabamos ali. Agora, cato pelo chão, e pelo caminho, e pelas noites mal dormidas o que me resta de esperança, como se, a qualquer momento, a campainha fosse tocar e trazer o alívio imediato que nenhum dos meus calmantes trouxe: uma explicação coerente. Enquanto isso me afogo em lágrimas, em vinho, nos meus soluços quase mudos. É como se essa sincronia de dores fosse me distrair do que realmente me mata. Passo a me privar de abrir a boca, porque eu sei que é bem capaz de sem querer sair um grito, o tal grito de socorro que meu corpo tanto guarda. Meu organismo já não reage e, por mais que eu queira dizer que tenho tentado prestar atenção nas aulas e que não consigo concluir nenhuma redação porque tudo anda desconexo, que eu quero sim ir jantar com as minhas amigas e que “não é nada com você, mãe”, é tarde demais. Estou em coma. Inerte. 

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