Ele


(Dê play em "I can't make you love me" e leia)

 Ele era o café da manhã de segunda-feira. Aquela refeição que é a mais importante da semana, a que sustém. Ele era um moço de fala tranquila, tinha explicações mansas para tudo que havia de errado, confuso e angustiante. Ele era minimante o porquê de não haver mais por quês. Era simples. Parecia aquelas frações com denominador enorme. Sabe aquelas que são divisíveis por dois? Então, era assim. Ele parecia ter sido simplificado várias vezes e chegado a um número irredutível. E era fascinante não carregar essas angústias que todo mundo carrega por viver com fardos, por amar o que traz peso, o que traz dúvida. Ele era como aqueles livros infantis  finos e ilustrados. Era de leitura clara, era fácil de ser entendido, tinha sempre bons finais. Assemelhava-se a um anjo por tamanha pureza. Não via mal em nada. Nem em mim. Que apesar de boa, o fiz chorar agarrado ao lenço vermelho que carregava meu cheiro. Ele era cheiroso também: acho que seu perfume era como o das flores que há nos bosques ainda não descobertos.
 Ele era o ser mais lindo de todo Universo. Era lindo em sua essência. No filme que às vezes passa na minha cabeça, eu paro em frente à sua cama e o observo enquanto dorme. Não chego nem a tocar em seus cabelos negros, muito menos em sua pele alva. O meu último desejo seria esse: vê-lo viver, sem incomodar. Saber se as notas da faculdade estão satisfatórias e se sente saudade da casa dos pais. Mas não mando mensagem, não peço notícias. De vez em quando, antes de dormir, eu peço a Deus que cuide dele, que não permita que gente ruim o encontre.
 Ele era a pessoa mais linda no mundo, já falei? Pois bem, acho que eu não serviria para alguém assim. Sei lá por que, acho que minha missão aqui é só contar sobre as pessoas que passam por mim. Creio que ninguém fique na minha vida por muito tempo, sabe? Na verdade, ninguém fica na minha vida. As pessoas passam. Ele passou e deixou rastros de luz. Rastros de amor, de bondade, de calma. Deixou uma admiração sem fim. Deixou uma saudade boa, que não passa nunca. Não passou com o tempo, muito menos com esses outros rapazes que passaram por mim. Eu com certeza o tatuaria no peito. Eu com certeza o escreveria um livro. Mas eu não faço nada disso. Eu só o observo nos meus sonhos, com um outro alguém, um alguém que é, diferente de mim, que apenas fui e fui rapidamente. Esse alguém o traz paz e certeza. E isso eu não saberia fazer: trazer paz. Eu sou uma tempestade em conta gotas, sou um livro escrito em hebraico de trás para frente.
 Fique tranquilo, eu estou bem. Mesmo com essa saudade que não cabe em lágrimas, não cabe em músicas, nem nos cinco cômodos dessa casa, nem nos rapazes que me chamam para o cinema, nem no salário que mantém minhas contas e futilidades. É uma saudade adormecida, sinto apenas quando as pessoas vão embora e a música para de tocar. É sério, eu juro que estou legal. Sempre fica tudo bem. Ele era a coisa mais bonita que eu tinha e tudo que eu desejava, era vê-lo feliz. E é por isso que eu fui embora: eu não saberia cumprir essa missão. Mas, ouça bem, moço: se um dia o encontrar na rua, não esquece de conferir se ele carrega um sorriso largo, se está com uma boa feição. Vê e me conta. Porque, se não estiver, eu redobro minhas orações, eu abro mão do meu anjo da guarda, só para que ele esteja bem. 

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