Leia ao som de 93 Million Miles, do Jason Mraz.
Há quase dois anos, me despi, entrei no box e
abri o chuveiro. Quando olhei para o sabonete, numa saboneteira branca, bastante manchada, e meio sem graça,
odiei ter que tomar banho com ele. Já faz tempo e eu não lembro mais qual era,
mas me recordo de ter ficado decepcionada, porque, para mim, ele era péssimo.
Passei-o na pele e, como de costume, fechei os olhos e comecei a pensar sobre
uma série de aleatoriedades e um imenso sentimento de culpa me invadiu. Eu
estava com raiva por ter de tomar banho com um sabonete que, ao meu ver, era
horrível. Comecei a pensar nos meus pais e na nossa vida, cheia de altos e
baixos, dos quais, na maioria das vezes, eu era poupada e protegida. Parei –
completamente- , olhei para a minha mão e para aquele simples sabonete, e pensei na
difícil tarefa que deve ser manter uma casa e sobreviver ao caos da vida com
dignidade. Analisei, durante uns poucos segundos, as prioridades que alguém tem
ao manter um lar: as contas e a comida. E, só assim, me dei conta do quão
supérflua e indiferente é a marca de um sabonete no meio de tantas coisas
realmente grandes, que passam despercebidas para quem apenas usufrui de tudo
isto.
Os últimos dias foram
confusos, tanto no convívio com as pessoas quanto dentro de mim, e enquanto
almoçava lembrei do dia do sabonete e de todos os pensamentos mesquinhos que
andava tendo (e de outros que estavam tendo
sobre mim). E pensei que não há uma escala precisa e universal de importância:
as coisas têm proporções distintas para cada um. O meu grande talvez é uma
banalidade para quase todos que me cercam e as minhas palavras rebeldes são uma
bala precisamente mirada no coração de quem as ouviu. Os efeitos nem sempre são
os mesmos e, muito menos, os desejados por quem os provocou. A percepção do que
nos cerca e do que causamos é a parte mais difícil, porque, às vezes, ela pode
nos mostrar o quão distantes de quem gostaríamos de ser estamos. E dói.
Inícios inspiram
calmaria e esperança, mas o clamor por mudança e evolução pode se mostrar de
forma nada branda: as mudanças drásticas normalmente vêm precedidas disso.
Então, acolher o novo é basicamente assim: dá-lo a chance de ser mestre e, em silêncio,
ser a melhor versão deste alguém que há anos está sendo construído. Eu sou
composta de diversos minúsculos infinitos, grandezas e simplicidades, que, para
quem não está na minha pele, são apenas pequenas coisas invisíveis, tal como o
sabonete que não era o esperado, mas tinha sido a melhor escolha de quem o
comprou.
Só quem executou toda
a construção de quem somos sabe o grau de importância e peculiaridade de cada
pedaço: nós mesmos. E, por mais que doa, nem sempre as pessoas compartilharem
da grandeza que alguns detalhes têm para nós, é bom saber que dentro de nós há,
intimamente, coisas muito preciosas. O segredo para nos sentirmos compreendidos
com toda a multiplicidade que carregamos é apenas um: tentar fazer o mesmo pelo
outro.
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